Saturday, September 29, 2007

Nem luxo nem lixo

Tava aqui fazendo uma limpa na caixa de e-mails (embora só a 30%, odeio ficar com zilhões de coisas que não servem virtualmente pra nada).
Dei de cara com um texto, nem sei se foi publicado, mas é da Beth Orsini. Começa de um jeito brilhante e, de lambuja, cita Caio F. Olhem:

Quando a gente pensa muito, a gente sente menos

Não consigo imaginar a vida sem paixão. Por isso, quando me apaixono, a vida muda completamente de tom. E quando uma possibilidade de amor é abortada, me sinto um pouco como uma flor murcha, um passsarinho sem asas, um cachorro sem dono. Há algum tempo meu coração andou meio ocupado. Você escutou bem, caro leitor, meio ocupado. Por conta das impossibilidades da vida de ambos, era uma história pela metade. Mas tentávamos, cada um a sua maneira. Primeiro o coração sufoca a razão, se esquece das tais impossibilidades e a vontade de ser feliz ocupa todo o espaço. Você é toda coração. E nem fica com vergonha de entrar numa loja movimentada, comprar uma lingerie sensual, um robe transparente com marabu esvoaçante em volta da barra, e confidenciar para o vendedor a proximidade de uma noite de amor. Mas cá entre nós, você também nunca fez o estilo discreta.
Até que de repente as coisas mudam. Sem mais nem menos, qualquer palavra sua o deixa irritado, e o que era bom passa a não ser tão bom. Você começa a pensar em tudo o que vai falar com medo da conversa virar uma grande confusão. Ele acusa você de não saber escutar, diz que vocês são divergentes, você acha que ele é duro quando fala. Você conta um problema da sua vida, ele diz que você é culpada e você só queria ouvir um “calma, querida, as coisas vão nelhorar”. Você começa a desconfiar que ele não quer conviver com a sua tristeza, só com a sua alegria. E fica triste. Sua analista insiste em saber onde você quer chegar com essa relação, suas amigas dizem “vai, vive o momento, é isso o que importa”, sua mãe continua repetindo que você é uma eterna adolescente e que não está mais na idade de sentir essas coisas. E o tempo vai passando. Sua cabeça está cheia de minhocas. A lingerie sensual está enfurnada num canto do armário. E o que era apenas sentir, vai virando pensar. E quando a gente pensa muito, a gente sente menos. E o carinho e a cumplicidade, que eram tão bons, vão virando estranheza e distância.
Estava eu conversando sobre esses desencontros do coração com minha amiga de agradáveis cafés da manhã, a dermatologista Zaida Pitombo, quando lembrei de um conto de Caio Fernando Abreu. Chama-se “Pequenas epifanias” e fala de um amor que não decolou. Tenho esse texto sempre á mão para usar em emergências afetivas. Sentada num banco da Praia de Icaraí, olhando a Baía de Guanabara a minha frente, li para Zaida o trecho que sempre me emociona: “Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração.” Percebendo as lágrimas escorrendo no meu rosto, Zaida coloca a sua mão carinhosamente sobre a minha. De repente, eu dou uma gargalhada. Geralmente faço assim, não gosto que a tristeza me pegue porque ela pode ficar ali e não querer mais ir embora. E começamos a falar do filme que está fazendo a cabeça das mulheres niteroienses (mas só as de coração ardente): “O amor não tira férias”, de Nancy Meyers. Uma comédia que conta a história da executiva americana Amanda (Cameron Diaz) e da jornalista Iris (Kate Winslet) que, desiludidas no amor, se conhecem pela internet e decidem trocar de casa por duas semanas. Duas frases do filme ficaram martelando nas nossas cabeças. Uma delas, do personagem Arthur Abbott (Eli Wallach) para Iris: “Você é a protagonista da sua vida, mas vive como se fosse a melhor amiga da protagonista”. A outra, de Miles (Jack Black), quando ele começa a se encantar por Iris: “Dizem que quando o vento Santa Ana sopra tudo pode acontecer”. O Santa Ana sopra em Los Angeles na estação dos choques elétricos, quando o ar sequíssimo daquelas bandas fica com pilhas de eletricidade, igualzinho a um corpo possuído pela paixão. Lembramos ainda do Siroco, que lambe o deserto do Saara com sua língua quente como as coisas do amor. Nas tradições bíblicas, os ventos são instrumentos da força divina que dão vida, castigam, ensinam, são sinais e, assim como os anjos, são portadores de mensagens. De repente, eu e Zaida sentimos a fúria de um Sudoeste varrendo a praia. Olhamos para o céu e ele estava pesado e escuro, como às vezes fica o nosso coração, mas sabíamos que, em poucas horas, um manto azul- anil cobriria nossas cabeças. Naquele momento, não tive dúvida. A fúria do Sudoeste era um sinal dos céus para mostrar que a alegria e a dor do amor são instáveis como os ventos, e que a decepção pode surgir, como o amor, de onde menos se espera.

4 Comments:

Blogger cherrytati said...

Luper, esse texto diz tudo. Acho que qualquer comentário idiota que eu faço corre o risco de não acrescentar nada ao que esse texto diz. Por isso, só vou fazer um ctrl c + crtl v básico, colocar no meu blog e dar o crédito pro teu blog.

1:47 PM  
Blogger Luciana Grings said...

E não é?
Tava aqui pensando (pra variar) sobre como 1500 km de distância são uma merda, em como o mundo dá voltas, e me cai esse texto no colo... não tinha como não postar aqui.

1:54 PM  
Blogger cherrytati said...

O pior não são os quilômetros, mas as voltas que a gente dá em torno do próprio eixo.

2:24 PM  
Blogger Anamein said...

aba abu abi
e tenho dito.

2:13 AM  

Post a Comment

<< Home